quinta-feira, 27 de outubro de 2011

      As orações dos homens
Subam eternamente aos teus ouvidos;
Eternamente aos teus ouvidos soem
          Os cânticos da terra.

          No turvo mar da vida,
Onde aos parcéis do crime a alma naufraga,
A derradeira bússola nos seja,
          Senhor, tua palavra.

          A melhor segurança
Da nossa íntima paz, Senhor, é esta;
Esta a luz que há de abrir à estância eterna
          O fulgido caminho.

          Ah ! feliz o que pode,
No extremo adeus às cousas deste mundo,
Quando a alma, despida de vaidade,
          Vê quanto vale a terra;

          Quando das glórias frias
Que o tempo dá e o mesmo tempo some,
Despida já, — os olhos moribundos
          Volta às eternas glórias;

          Feliz o que nos lábios,
No coração, na mente põe teu nome,
E só por ele cuida entrar cantando
          No seio do infinito.

Machado de Assis, in 'Crisálidas'

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

15 de Outubro - Ao professor

"Homenageio a você, Professor, pelo seu Dia e pelo grande feito de educar com perseverança, dedicação e desprendimento, em todos os outros de sua caminhada.

Parabenizo a você , Professor, por sua real importância na evolução histórica e cultural, na formação de seus educandos.

Cumprimento você, Educador, por ensinar com doação e responsabilidade para a construção dos conhecimentos e apropriação das práticas.

Ressalto seu trabalho como indicador de 'caminhos', mesmo com decepções que se constituirão em novas idealizações.

Homenageio a você, a quem certamente, Saramago diria, como o fez:
'Não tenho o direito de olhar se os outros não me podem olhar a mim'. "

Arlete Scotto

Com lealdade fraterna



Meu amigo: alega você a impossibilidade de aceitar-nos a
sobrevivência,por não atestarem seus olhos a nossa presença
espiritual. E acentua que não pode copiar Santo Agostinho na
repentina modificação. É provavel que você, no íntimo, se julgue
superior ao discípulo Santo Ambrósio, mas pode crer que a sua
dúvida é leviana e infantil.

Sua declaração menciona filósofos e cientistas, salientando os
ateus com frases louvaminheiras.

A rigor, não deveríamos perder tempo com as suas indagações;
entretanto, por despertarem pensamentos graves, cumpre-nos
registrá-las e a elas responder.

É que você vive, em grande percentagem, daquilo que
permanece invisível aos olhos mortais.

O cacto espinhoso, a florir num deserto, jamais saberia
responder por que miraculosos recursos consegue sustentar-se
no chão ressequido. Assim também você, na trama escura da
negação, não explicará por que razoes exibe a flor preciosa da
inteligência.

Sua cabeça abriga raciocínios e hipóteses, com recheio de
sarcasmo evidente, para concluir que a civilização é um castelo
de cartas a precipitar-se, indefinidamente, no despenhadeiro da
sepultura.

Seus olhos, porém, permanecem fixos no "prato de lentilhas".

Seu problema é puro imediatismo. Nada mais.
Falta-lhe alicerce para as reflexões.

A sua capacidade de verificação, no campo fenomenico a que
se ajusta, começa no enigma do nascimento. A história de seu
corpo transcende as anotações da ficha genealógica. Você não
sabe, por agora, como ingressou no santuário das formas
terrestres e, se um biologista lhe fala dos cromossomos,
elucidando questões de embriologia, naturalmente acreditará
ouvir mentiroso romance com presunção científica. Se você não
viu a formação dos elementos microscópicos, como admitirá
elucidações dos compêndios que cogitam do assunto?

À noite de cada dia, no retorno ao lar, seus ouvidos solicitam do
aparelho radiofônico o noticiário das capitais estrangeiras e
recebem informações positivas de Roma e Washington. No
entanto, você não enxerga os fios através dos quais chegam
as mensagens que reclama.

Seus órgãos absorvem do ar a maior parte da alimentação de
que se mantém. Todavia você nada percebe.

A enfermidade lhe corrói as vísceras e que o obriga a
empenhar-se nas casas bancarias, procede, na maioria das
vezes, do ataque das feras microscópicas que se multiplicam
ao influxo mórbido de sua mente. Entretanto, não lhe é possível
identificar o inimigo de sua tranqüilidade pessoal e domestica,
em cuja existência é constrangido a acreditar.

Seus olhos, alias, não chegam nem mesmo a contemplar os
movimentos peristálticos dos intestinos, em operações comuns
da realidade humana, sem os quais toda a sua missão terrena
estaria ameaçada.

Por fim, meu caro, você, que nos deseja palpáveis às mãos,
será visível, em suas intenções e pensamentos, aqueles que
o cercam? Afianço-lhe que seus parentes e amigos não lhe
conhecem dez por cem da legitima personalidade.

Em se tratando de nós, porém, sua exigência é impecável.

A argumentação que apresenta não lhe justifica a negação.

Procure outros recursos para consultar a verdade.
Em meu curso primário, conheci um menino irrequieto,
colega leviano e inconstante, que consumia inutilmente
longas horas da professora, levantando dúvidas quanto à
existência da Terra do Fogo, porque nunca lhe vira os
contornos e não acreditava os apontamentos da Geografia.
Não podemos, no entanto, considerar a sua inteligência no
rudimentarismo da infância. Você lê algumas línguas diversas
entre si e compreende-as com elevado índice de cultura
intelectual, cita Haeckel, Schopenhauer e Le Bon. Ora,
sabemos todos que a razão, em pesquisa, não se acomoda `a
redoma do berço.

Procure, pois, o seu clima real.
Estude e medite.

Não se recolha exclusivamente `as pupilas que o sepulcro
apagará mais tarde. Auxilie a própria reflexão. O ato de ver é
mais extenso: não se circunscreve ao corpo efêmero. É
função do espirito imperecível. E examine o problema da morte
com mais amplitude. Prepare a bagagem, porque fará
igualmente a travessia que já fiz.

Se você é sincero, não perca a oportunidade de melhorar os
conhecimentos acerca da vida nova que o espera. Não se
esqueça, meu amigo, de que, apesar do esforço de todos os
Voronoffs do mundo e não obstante a milagrosa penicilina do
nosso estimado Professor Fleming, o livro de ponto dos
cemitérios continua assinado regularmente...
IRMÃO X
(Psicografia de Francisco Cândido Xavier)